TRONO DE PESCADOR
FERNANDA CHIECO: TRONO DE PESCADOR
Exposição Individual - Paço Imperial, Rio de Janeiro, Brasil
por Marcelo Campos
Fernanda Chieco, na série Trono de Pescador, elabora desenhos, a partir de observações realizadas num período de residência na Coréia do Sul. A artista se Interessou por “contradições particulares” do município de Incheon, buscando relações entre vestígios das cidades antigas e modernas. Descobriu, numa espécie de cidade fantasma, cadeiras deixadas a ermo. Os valores de uso, nos termos de Walter Benjamin, seriam substituídos pelos valores de exibição. Mas, por que expor a obsolescência?
Este é o mote de criação que faz os desenhos ocuparem um lugar imaginado, mesmo que reelaborando cenas corriqueiras, objetos domésticos, ambientes aparentemente interiorizados. Mas Fernanda olha a paisagem urbana e, com isso, alcança, nas encenações, um status quase surrealista. Vemos peixes, leitões, carcaças, ursos de pelúcia sobre sofás, cadeiras bauhausianas, bancos de carro. A maneira de desenhar e colorir nos remete ao lugar de proteção, à artesania infantil, pois a presença potente do lápis de cor mostra-nos a insistência de cobrir áreas em branco com intensidades variadas. Neste aspecto, pensamos nos desenhos contemporâneos de David Haines, por exemplo. Ainda assim, o caráter etnográfico lança Fernanda em outro caminho, aquele do artista residente, das observações em trânsito, do estranhamento de costumes e tradições próprios de artistas viajantes desde o século XIX.
O que está exposto, nos desenhos desta série, fora subtraído das relações dos valores de uso e descarte de objetos industrializados. Cadeiras, bancos e sofás expõem-se em aparência precária. Mas tal suspensão é ressaltada por afinidades desconcertantes, aproximado-se mobiliário e animais. A prática cultural do lugar, o evento, torna-se alegórico e emblemático, passando a criar cenas de sonhos, citadelas oníricas.
No titulo da série, Fernanda Chieco utiliza-se de outra estratégia de suspensão, chamando cadeiras de “tronos de pescador”. Aqui exercita-se um jogo de profanações, pois os significados atribuídos antes a “coisas, lugares, animais ou pessoas” podem configurar um simples cotidiano sul-coreano ou freqüentar uma “esfera separada”, mística, talvez. E neste jogo entre profano-sagrado-profano os desenhos de Fernanda cancelam o rito (não sabemos o porquê da encenação de tais abandonos) mas deixam sobreviver o mito (um mundo fora do comum).
O consumo, nos explica o filósofo Giorgio Agamben, “destrói a coisa”, as cadeiras, os brinquedos, mas um fato cultural, como os mercados de peixes da pequena aldeia da Coréia do Sul, deixa intactos os resquícios da religião capitalista. Cadeiras, nas mãos da artista, tornam-se tronos para trabalhadores anônimos, infames. E estes são os reis do mar.